LIMITES E POSSIBILIDADES NA TERCEIRA IDADE”
Jorgete de Almeida Botelho
O tempo do envelhecimento é um dos períodos mais difíceis
do ciclo da vida humana. Ele contém um número acentuado
de perdas sociais, biológicas e existenciais, exigindo um esforço
por parte do idoso em lidar com as novas circunstâncias
da sua existência.
Durante anos em contato com essas pessoas em diversos contextos
(consultório, Grupo de Encontro Semanal e Lar de Idosos), venho
desenvolvendo meu trabalho na valorização das possibilidades de cada um ultrapassar as limitações inevitáveis do seu envelhecer.
Nas sociedades pré-industriais, a velhice não era apenas um tempo de vida. Possuía um valor caracterizado pela experiência, determinando, inclusive, grande ascendência moral sobre os grupos jovens da sociedade. Sua função social era de lembrar e aconselhar, de unir o começo e o fim.
Com o surgimento da sociedade capitalista, essa função foi banida. Ao eleger a produção como maior valor humano, os idosos perderam seu status. Dessa concepção resulta a tendência de que os homens velhos, economicamente inativos, sejam considerados “socialmente mortos”.
A imagem do velho é dicotomizada, o que dificulta a identificação: de um lado, o sábio de barbas brancas, respeitando protótipo da sabedoria, é necessariamente valorizado, embora isto só aconteça em algumas partes do mundo. De outro lado, o velho “maluco”, extravagante, ridicularizado e desrespeitado, sofre as conseqüências de uma sociedade despreparada. Segundo Simone de Beauvoir, o que impede que a velhice seja vivida em sua plenitude é o fato de o restante da sociedade recusar-se a ver-se nela.
Mesmo que se reconheçam todas as dificuldades, os idosos continuam recebendo menor atenção (que gritem os nossos aposentados!). O envelhecimento torna-se uma espécie de deserto, no qual nem as ilusões florescem. No dizer de Ecléa Bosi “ser velho é lutar para continuar sendo homem, contra uma sociedade que os quer alienados, dependentes, quietinhos.”
Dentro das diversas “batalhas” que o idoso enfrenta, a aposentadoria é uma das mais marcantes. Muitos adiam-na para não se enquadrarem entre os “velhos”. É um acontecimento que, a princípio, tem um significado de um “Oba! Finalmente vou fazer isso, aquilo...aproveitarei a vida!”. Mas que por outro lado marca (em nosso país) uma desvalorização do idoso, não só quanto ao aspecto financeiro (pela decadência da Previdência Social), como também pela paralisação de atividades e obrigações sociais que concedem ao indivíduo seu status social.
Citando Mira y Lopes: “um adulto comum, normal, que ganhe a vida profissionalmente, vê-se, subitamente, considerado inválido pela sociedade, que o condena, da noite para o dia, à inação, à inatividade e ao tédio, afastando-o do trabalho, para convertê-lo em um parasita dos cofres públicos, da família ou da economia previdencial.” E eu acrescentaria que é um “suposto parasita”, uma vez que, com toda a alienação que lhe é imposta, ele continua sendo um agente econômico, mesmo que passivo, pois é inevitavelmente consumidor e pagador de impostos. Nesse momento, pode acontecer que não somente o trabalho aposente o indivíduo, como este também se aposente da vida. Sente-se derrotado, esvaziado de interesse. A redefinição do seu SER e ESTAR no mundo para conviver com essa situação se faz essencial.
No relato de vários aposentados podemos detectar diferentes estágios. Gail Sheehy, em seu livro passagens, compara muito bem esse momento a uma lua de mel. No início só há lugar para a alegria, a liberdade de dispor das horas como se deseja, o esquecer de tudo, horas e horários. Mas há o término dessa lua de mel e nele começa a surgir certa inquietação; há menos pessoas com quem falar, instala-se o tédio. É comum que as visitas a consultórios médicos e até, em poucos casos (o que é uma pena!), a consultórios psicológicos cresçam nesta etapa. Aparecem doenças e muitas delas que nem eram lembradas. A depressão é um dos sintomas principais.
Os homens que geralmente tiveram sua atividade fora de casa são propensos a sofrer mais. Eles deixam de freqüentar o ambiente onde trabalhavam com carinho e eficiência e perdem o convívio diário com os colegas.
Às mulheres ainda restam os assuntos de família e a casa para cuidar. E é por isso que é comum se perguntarem como conseguiam dar conta desses encargos trabalhando fora o dia todo.
Os executivos e profissionais liberais contam com a oportunidade de poder continuar trabalhando até quando desejarem ou for possível. Mantém seu papel social até o fim, o que não acontece com os assalariados que, para sobreviver, precisam de um biscate para somar a sua renda baixa.
Ocupar o tempo de uma forma harmoniosa, criativa se faz necessário para o bem-estar físico, mental e social (considerado pela OMS como o conceito de saúde). Isto é privilégio de poucos.
Ao pensar no tempo disponível que o aposentado e/ou o idoso possui, baseio-me em Maslow, que afirma: ”criatividade não significa apenas a produção engenhosa de algum artista, cientista. Ela também inclui a condição imaginativa da vida cotidiana.”
Exemplos não me faltam no “Lar”. Trabalho com pessoas de 80, 95 anos que, dentro de suas limitações, encontram formas criativas no seu dia a dia. “J” é uma senhora de 88 anos. Seu quarto é repleto de quadros, de tapeçarias feitas por ela mesma. Hoje se diz cansada, mas continua com algumas atividades manuais. Além disso, é uma idosa de se invejar: ativa, faz compras na rua, é responsável por uma “lojinha” na instituição, canta o bingo, tem uma boa memória e preenche seu tempo com prazer e alegria.
“G” é um senhor (um gentleman) de 89 anos. Apresenta alguns traços leves de esclerose, mas ocupa seu dia conversando com as pessoas, administrando seu dinheiro, caminhando. Tem uma ótima memória, revelada em sua participação ativa nos jogos para reativação da memória.
Iniciei este artigo falando da visão social na Terceira Idade, frisando o determinismo sócio-econômico-cultural nela inevitável. O comovivenciá-lo dependerá da história pessoal de cada idoso e de comoeste transpôs as fases de seu ciclo de vida. Ser, parecer e sentir-se velho difere de indivíduo para indivíduo. O significado a isso atribuído pelo idoso também contará. Para uns significa muito tempo de existência; para outros, o desuso, o ultrapassado, a solidão. A forma de configurar será dada pela qualidade e não pela quantidade vivida.
Para ilustrar, gostaria de citar o caso de uma senhora de 62 anos que visitou o Grupo de Encontro Semanal. Desejava questionar e aparentava estar bastante assustada por ter chegado à Terceira Idade. Não sabia a que grupo pertencer, o que vestir, o que fazer...Para ela qualquer atividade mais descontraída não condizia com seus 62 anos. Preocupava-se com os rótulos que lhe poderiam sobrevir. –“Se um homem idoso tem a mesma conduta ninguém o critica, mas o mesmo não me acontecia.” – dizia ela. Duas senhoras, bem idosas, intervieram:
— “Que isso! Você tão nova, não aproveita a vida? Imagine nós...”
Apesar de nossos esforços, ao se despedir falou que não gostaria de vir a se tornar aborrecida, importuna e que a velhice é horrível.
Esse episódio demonstra como o preconceito paralisa, impede a espontaneidade dessa pessoa, não só como mulher mas também como idosa. “Para ser aceito pela sociedade, o indivíduo responde com um conjunto de respostas fixas. A fim de compactuar com os “deverias” da sociedade, o indivíduo aprende a ignorar seus próprios sentimentos, desejos e emoções. Então ele também se dissocia de ser parte integrante da natureza.” (Perls). (Gostaria de ressaltar que aqui estou considerando apenas os processos sociais e relacionais que envolvem o idoso e não o psicológico do indivíduo).
A ansiedade é um dos limites mais fortes para o idoso. No enfoque de Goldstein, ela é o resultado de expectativas catastróficas e Perls reafirma: “é um ensaio para a calamidade”. E por que estas expectativas? Porque a velhice nos é apresentada com algo aterrador.
Herdamos esta concepção de nossos antepassados desde milhões de anos. É passada de pai para filho, de geração para geração. Há relatos de como os povos primitivos tratavam seus velhos. As hordas humanas quando se transferiam de um lugar para outro, em busca de melhores condições de vida, deixavam seus “velhos” entregues à sorte: aqueles que tivessem coragem e força para acompanhá-los estariam salvos. Nossos índios, quando seus pais e avós estavam muito velhos, abandonavam-nos, deixando-os morrer de fome.
“Como o instinto de conservação é um fato, os velhos apelaram para a sabedoria e a experiência. Data daí a origem dos “bruxos e feiticeiros”, que até hoje merecem respeito.” Cientes de sua capacidade, voltaram a se relacionar com pessoas das mais diferentes idades, que os procuram em busca de orientação.
Nesta fase, entre as tantas limitações citadas, resta ainda o fato de que a atividade sexual (não a sexualidade) diminui ou se extingue. A velhice sadia não dispensa alimentação, exercícios e estímulos intelectuais contínuos, bem como requer idênticos interesses e atividades sexuais, que podem se expressar sob a forma de carinho físico e emocional.
A partir da convivência com vários idosos, observo algumas formas distintas de envelhecer:
- os que buscam uma realização por meio de uma atividade nova ou um hobby que deixou de lado na sua juventude.
- os que se acomodam, renunciam, marginalizando-se na solidão. “O solitário é aquele que perdeu sua própria companhia e, conseqüentemente, irá perder o contato com a vida.” Torna-se irrascível, sofredor, mal-humorado.
- Aqueles que tentam viver a vida de seus filhos e netos, ocupando-se com os problemas familiares, com ou sem angústias.
- Outros se relacionam com a família cobrando-lhe tudo, sendo um peso para todos. Vivem pedindo, sempre querem que alguém responda por suas atitudes e por seus compromissos.
Diante da evolução contínua na qual a família está passando, o contato do idoso com diversos grupos de lazer, identidade filosófica e religiosa se faz essencial. Eles podem ser os sucedâneos modernos da família.
As limitações existem. As possibilidades são reais. Muitos se limitam a viver nas impossibilidades. A velhice pode e deve ser vivida intensamente, com dignidade e com a consciência de que faz parte da evolução do ser humano. É uma conquista e não um prejuízo. Quem foi que disse que velhice é doença?
— Só se envelhece quem tem saúde! - disse uma idosa.



Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar, aproveitem para deixar suas dicas.